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Predestinada - Capítulo 3

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Mensagem por Lolla Aryan Sáb Ago 04, 2012 9:03 pm

A viagem é estressante. Não consigo me manter nesse mundo. Estou muito absorta em meus pensamentos, o que faz com que Thunder bata ocasionalmente em alguma coisa, como um pássaro ou um balão. Ele relincha às vezes, e não preciso ser filha de Poseidon para imaginar que tipo de coisas horrendas ele deve estar me chamando nesse momento.
James diz que cavalos têm uma boca bem suja.
-Desculpa, amigão - Peço, com remorso. - Já estamos chegando, ok? Peça pra James te dar muitos torrões de açúcar quando voltar. E diga que eu não dou a mínima para como ele vai conseguir os torrões. E bata nele se ele não te der. - Aconselho.
Thunder faz um som que eu imagino ser de felicidade.
Chegamos em São Francisco algum tempo depois. Paro bem em frente à casa de dois andares branca vitoriana de Johnny. É uma casa antiga, porém a mãe teve muito trabalho reformando-a.
Eu a acho o máximo, ainda que só tenha ido lá algumas vezes por causa de Nick.
Ele está me esperando sentado na calçada. Seus olhos se revezam entre Thunder e eu, talvez tentando decidir qual merece mais atenção.
-Obrigado - É tudo o que ele diz, com um brilho nos olhos.
-Eu é quem devia agradecer - Repreendo. - Seus pais... eles estão bem com a coisa toda?
Antes que Johnny possa abrir a boca para responder, a sra. Wolf abre a porta e posso vê-la antes que ela venha me dar um grande abraço. Me dou o trabalho de despistar Thunder.
A mãe de Johnny continua exatamente igual. Na verdade, a única coisa que consigo me lembrar sobre ela é o vestido de cor berrante - dessa vez verde - e o fato de ela ser meio pirada.
Maravilha.
-Looooooooooolla! - Ela berra antes de finalmente abrir os braços para que eu a abrace.
Uou, ela sabe meu nome, é tudo em que consigo pensar. Já é um bom começo.
A animação dela me lembra Susan por um momento, e uma saudade esmagadora me ataca.
Mas ponho em minha cabeça que tenho de superar, considerando que a sra. Knowles provavelmente nunca mais berrará meu nome de forma tão animada.
Penso em berrar o primeiro nome da sra. Wolf, mas não me consigo lembrar qual é.
Ou talvez eu nunca soubera, mesmo.
Como se lesse meus pensamentos, Johnny sussurrou pra mim:
-Megan - Ele diz.
-Meeeegan! - Entro no espírito.
-Megan? Que Megan? - Ela me encara e sinto Johnny pisar no meu pé. Ele está me encarando como se eu fosse a burra ali.
-Megan... Fox! - Conserto. - Desculpe, é que você realmente parece muito com ela! Acabei me confundindo, sra. Fo... Digo, Wolf. - Minto descaradamente.
Ashley me bateria por uma mentira tão tosca. "Você prestou UM PINGO SEQUER de atenção no que eu te ensinei, Lolla Alison Aryan? O que foi isso?!", posso ouvi-la falando.
Johnny abafa um riso e é minha vez de pisar em seu pé.
-Bem, obrigada - Ela parece um pouco confusa, mas não nos censura. - Vão pondo as coisas no carro que eu já estou indo.
Quando ela sai, encaro o garoto com todo o ódio que consigo:
-POR QUE disse 'Megan' pra mim?
-Qual é, relaxa - Ele ri, despreocupado. - Foi engraçado.
-Seu viado! - Dou um tapa nele, mas sem conseguir esconder o alívio e felicidade ao ver que aquele garoto na minha frente ainda é o mesmo Johnny irritante e brincalhão de sempre, e não apenas um cara estranho que está disposto a passar todos os seus dias trancado num quarto enquanto eu disfruto de sua casa apenas para que ele tenha a certeza de que estou segura.
E dentro daquele Chevrolet à caminho da chácara dos Wolf, tenho a esperança de que talvez possa recuperar o primeiro garoto.
A viagem me parece uma eternidade. Não gosto de carros, e não gosto de ficar presa em carros.
-Seria mais bem mais rápido se fôssemos de pégaso, não seria? - Johnny olha pra mim, sem parecer se importar com o fato de que seus pais provavelmente podem nos ouvir.
-Definitivamente - Concordo, desejando mais do que tudo estar voando pelo céu, cortando nuvens.
-Storm aguentaria nós dois?
-É Thunder - Corrijo. - E sim, ele aguentaria.
-Ah, claro - Percebo que ele está um pouco vermelho. - É um nome bem legal, na verdade. Thunder.
-Ideia de Dani - Sorrio involuntariamente.
-Ah. Desculpe, eu não quis...
-Johnny - Engrosso a voz, séria. - Podemos citar o nome de Daniel, ok? Não precisa ser um tabu.
-E se eu ficar falando do quanto os olhos dele são bonitos, e brilhantes, e azuis e... Como você diz? Ah, sim. E profundos?
-Nesse caso, vou me contentar enfiando meu dedo nos SEUS olhos - Ameaço.
-Essa é a Lolla que eu conheço. - Ele sorri, feliz.
É. Talvez seja até bom ficar um tempo com Johnny. Como quando eu tinha 8 anos.
Sem deuses, sem chalé 10, sem Dani. Talvez eu possa voltar para o tempo onde tudo era simples.
Chegamos na chácara algum tempo depois. Nick já foi lá vez ou outra, mas é minha primeira vez.
O terreno é bem grande, e há uma casa térrea bem bonita no meio dele. Grandes colunas se erguem na entrada, e a mãe de Johnny se joga em nossa frente para ter certeza de que será a primeira a entrar na casa. Vai entender...
Johnny gentilmente toma a dianteira e me leva até o fim de um grande corredor.
Ele para em frente à ultima porta e se vira para olhar pra mim:
-Só um minutinho - Após dito isso, entra no quarto e bate a porta na minha cara.
Depois de alguns minutos de papéis sendo rasgados e coisas caindo no chão, Johnny finalmente abre a porta de novo:
-Agora você pode entrar - Ele declara.
Faço isso. O quarto é pequeno, porém bonitinho. E tem uma grande janela no meio, cuja tem uma vista linda do pôr do sol e do pai mega obeso de Johnny sem camisa. Enojada, viro a cabeça. Há uma cama de solteiro e uma escrivaninha num canto do quarto e um armário no outro. Me aposso de ambos em questão de segundos. Arrumo melhor o edredom meio torto, colocando meu pijama embaixo do travesseiro, como de costume. Penduro minhas roupas no armário e acho um espacinho no canto dele para pôr meus sapatos. Percebo que não há espelho no quarto, então pego um pequeno que trouxe e o coloco em cima da escrivaninha, a transformando em uma penteadeira. Ponho meu violão ao lado do armário. Só depois me dou conta de uma coisa:
-Onde é seu quarto? Não é esse aqui, né? - Pergunto, preocupada. Se ele é capaz de ficar trancado num quarto toda a vida por mim, é bem capaz de doar seu quarto e dormir no sofá, ou numa casinha de cachorro. - Vocês não têm cachorro, né?
-Meu quarto é ali do lado. E não, não temos um cachorro. - Ele me encara como se eu tivesse acabado de dizer que era um coala unicórnio voador e roxo.
-Isso aqui... é uma espécie de quarto de hóspedes?
-Não exatamente - Ele faz uma careta, deixando claro que eu não vou ganhar mais explicações.
Na verdade, não tenho certeza se quero saber.
-Bem, eu vou, hm, te deixar à vontade. - Após dizer isso, ele sai do quarto.
Sento na cama por 10 segundos. Isso é o bastante para que minha hiperatividade ataque e eu tenha que ir fazer alguma coisa. Nada me parece atraente naquele quarto, e estou ciente de que se sair dele terei de ou aguentar as conversas preocupadas de Johnny (cujas quero adiar) ou a esquisitice da Sra. Wolf. Há não ser que...
Encaro a janela por um momento, antes de abri-la e pular pra fora do quarto.
Minha aterrissagem foi perfeita, e totalmente sem som. Resolvo que vou explorar a chácara.
Não estou com meu All Star de exploração, mas pensei nisso tarde demais.
Ando um pouco pela lateral da casa, procurando algo que mereça minha atenção. Na parte de trás da casa há um grande gramado, que dá direto na piscina. Sento nele e fico lá assistindo o pôr do sol. Não costumo assistir a esse tipo de evento, e me arrependo de não ter feito isso mais vezes.
Quando escurece, decido voltar para o jantar. Encontro Johnny sentado em uma cadeira na varanda tocando violão, sem nem perceber minha presença.
-They say she's in the class A Team, stuck in a daydream. She've been this way since 18, and... - Cantarola, acertando as notas agudas com facilidade.
-Ed Sheeran - Comento.
-Oi? - Ele para, finalmente se dando conta de que estou lá e arrumando a postura.
-A música. É do Ed Sheeran. The A Team. - Explico. - Sempre achei sua voz parecida com a dele. Ficou legal.
-Valeu - Ele sorri, feliz. - Você ainda toca?
-É praticamente o que mais faço - Dou de ombros e sento numa cadeira ao seu lado. Pela primeira vez em quatro anos quero tocar algo que eu realmente saiba, para ter certeza de que não vou errar nenhuma nota em frente ao meu professor. Apenas uma me parece certa. - Blackbird singing in the dead of niight... Take these broken wings and learn to fly. All your life, you were only waiting for this moment to ariise... Blackbird singing in the dead of niight, take these sunken eyes and learn to see... All your life, you were only waiting for the moment to be free.
-Blackbird, fly. - Ele me acompanha.
-You were only waiting for this moment to
-Ariise - Terminamos juntos.
-Essa foi...
-A primeira música que me ensinou - Sorrio. - Você ia dormir lá em casa, e meu passarinho tinha acabado de morrer. Eu sempre gostei de te ver tocar. - Confesso. - E pedi que tocasse algo pra ele. E então...
-Eu toquei. - Ele completa. - E perguntei se você gostaria de tentar.
-E eu tentei - Dou de ombros.
-Você foi brilhante! - Ele reforça. - Nunca vi alguém aprender tão rápido!
-É porque nunca viu Dani - Corrijo. - Ele aprendeu a tocar guitarra, violão e um pouco de piano e nunca teve nenhuma aula.
-Ele é superdotado, ou algo assim?
-Filho de Apollo - Faço uma careta.
-Vocês costumavam tocar juntos?
Doces lembranças invadem minha mente e eu sorrio involuntariamente. E depois mordo o lábio porque a realidade me diz que são apenas lembranças agora.
-É - Respondo, finalmente. - Costumávamos. Podemos mudar de assunto?
-Ah, desculpe. Eu não quis... - Ele recua, vermelho.
-Pode, por favor, parar de pedir desculpas? - Peço, irritada. - Já está fazendo eu me sentir mal.
-Eu só queria ajudar - Ele se defende, visivelmente magoado.
-Eu sei. - Me recomponho. - E aprecio o que está fazendo.
-...Mas você tem razão - Ele decide. - Vou parar com isso. Prometo.
Antes que eu possa dizer algo, a sra. Wolf anuncia que é hora do jantar e vamos todos para a mesa.
Fico algum tempo encarando a grande coxa vermelha de algum animal estranho em meu prato. Eu quase posso imaginá-lo sangrando e urrando de dor.
A imagem foi o bastante para me fazer querer vomitar.
-O que houve, querida? Está sem apetite? Está de regime? Veja, está tão magra! Não precisa disso. Mas se estiver, coma. Eu tenho um remédio em algum lugar que vai te fazer por tudo pra fora em questão de minutos! Não se acanhe. Eu venci a bulimia, e tratamos a doença com muita dedicação nessa casa. - Ela sorri, compreensiva.
Eu ainda estou tentando absorver o que ela está dizendo.
-Oi? - Digo, confusa.
-Lolla não é bulímica, mãe - Johnny interfere. - Ela é vegetariana.
-Bem, pode comer e depois vomitar a carne, se quiser... - Ela dá a ideia como se achasse normal.
-Mãe. Seja legal com a hóspede. - O garoto a fuzila com o olhar. - Devemos ter salada em algum lugar. Podemos pedir pizza vegetariana, também. - Ele sugere, olhando para mim.
-Salada está ótimo - Decido. - Não quero incomodar.
-Não está incomodando! - A sra. Wolf interrompe, fazendo movimentos espalhafatosos com as mãos e por fim derrubando um garfo no chão.
Lembro de Dani e do quanto o garoto é desastrado. A imagem me faz soltar um pequeno risinho bobo.
Os Wolfs me encaram por um momento e tudo o que posso fazer é olhar para baixo e fingir estar mexendo na minha unha.
Durmo mal naquela noite. Ponho a mão embaixo do travesseiro diversas vezes à procura da foto do baile do Chalé 1, como sempre fiz quando não conseguia dormir. Até que me lembro que deixei a foto no acampamento.
E é naquele momento de súbito desespero que me lembro porque fiz isso.
Enfio minha cara no travesseiro e conto carneirinhos, canto músicas de ninar para mim mesma, rezo a Hypnos...
Em vão.
Acordo antes das galinhas (que nem existem, mas vocês entenderam). O sol invade minha janela e decido que não tenho opção senão sair da cama.
Coloco uma blusa qualquer e um shorts jeans. Prendo o cabelo em um rabo de cavalo e saio do quarto, ouvindo minha barriga roncar um pouco alto demais e já pensando se devo roubar alguma coisa da geladeira ou bater na porta do quarto de Johnny e dizer que estou com fome. Esperar não é uma opção.
Resolvo atacar a geladeira, mesmo.
Mas meus planos vão por água abaixo quando vejo a mesa perfeitamente arrumada com uma toalha branca e pratos de cerâmica.
Ah, sim. E Johnny colocando milhões de comidas diferentes na mesa. Às vezes ele parece estar fazendo uni-duni-tê para decidir se eu gosto de certo cereal ou não.
-Dois lugares? - Levanto uma sobrancelha, desconfiada.
-Ah, é - Ele me fita, de repente percebendo minha presença. - Bom dia pra você também. Enfim, minha mãe não toma café da manhã. E ela mentiu ontem quando disse que tinha superado aquele pequeno “probleminha”. - Ele faz aspas com os dedos. - E meu pai dorme até meio dia, pelo menos.
-E desde quando você acorda cedo?
-Não acordo - Ele sorri pra mim e decide que o assunto está encerrado.
Sentamos à mesa e eu encaro toda aquela comida, me sentindo até perdida.
Não costumo comer mais do que um miolo de pão francês e um Nescau no café da manhã, e é exatamente o que pego para comer naquele dia.
-Onde acho uma faca? - Indago.
-Eu... eu já pego! - Ele se pronuncia.
Johnny está levantando quando eu o impeço:
-Não. Eu posso pegar minha faca. Só me diga onde está. - Decido.
-Na terceira gaveta da pia - Ele responde, mal-humorado.
Vou até lá e pego uma pequena faca.
-Você não come pão com casca, né? - Ele lembra. Balanço a cabeça em negação. - Verdade. Eu tinha esquecido.
Comemos o resto da refeição em puro silêncio. Depois sentamos na varanda e tocamos um pouco.
Começamos a conversar um pouco depois:
-Suas olheiras estão enormes - Johnny comenta. - Não conseguiu dormir?
-Nem por um segundo - Bufo.
-Por quê? Quer um travesseiro mais alto? Esse colchão é duro demais? Porque temos outro e...
-Não - Eu o corto. - O colchão e o travesseiro são ótimos. Tenho coisa demais na cabeça, só isso.
-Imagino - Ele morde o lábio. - Desculpe se estou sendo muito grudento. Eu ainda quero que as coisas sejam como eram 4 anos atrás.
-Eu iria gostar disso - Sorrio. - Acho que vale a pena tentar.
Apesar de tudo, não consigo dormir - de novo.
-Bom dia, loira! - Ouço aquela voz feliz em minha... janela. - Acorda logo antes que eu tenha que fazer isso. Qual é, até meu pai está acordado. - Ele tenta me persuadir.
-Está bem! - Cedo. - Mas sai da minha janela antes que eu taque meu tênis em você.
-Esse é o espírito - Ele sorri. - Estou te esperando na cozinha. E vai logo antes que meu pai venha te acordar.
-Ele não faria isso.
-Vai arriscar? - Após dizer isso, ele sai da janela.
Irritada e com sono, coloco uma roupa sem nem ver qual é. Só depois percebo que coloquei meias de cores diferentes. A preguiça eterna me domina e eu simplesmente coloco um All Star de cano alto.
Resolvido.
Vou para a cozinha tentando tirar a cara de zumbi, mas não acho que obtive sucesso.
-Bom dia - Forço um sorriso para Johnny e seu pai.
Johnny me dá 'oi', mas seu pai está muito entretido com o pão.
-Onde foram parar as cascas dos pães? Só tem miolo aqui! - Ele reclama.
Fuzilo Johnny profundamente. Ele finge que não viu.
-Pois é. Mamãe deve ter dado a louca. Fazer o quê, né? Lolla! - Ele olha pra mim. - Vai se juntar a nós? Temos pão sem casca!
Alguns dias se passam. Eu ainda não consegui dormir direito. Johnny parece ter recuperado um pouco do que era há 4 anos atrás, mas ainda faz tudo o que puder e não puder por mim.
A varanda vira nosso lugar oficial de conversa.
-Acha que Dani sabe que você está aqui? - Ele me pergunta certa vez.
Penso por um minuto.
-Ele deve ter considerado essa possibilidade. - Dou de ombros.
-Quer que ele saiba que está aqui?
A pergunta me pega desprevenida.
-Não tenho problema nenhum com ele saber - Decido. - O que será que ele está fazendo agora? Será que ele ainda fala sobre mim? Ou a Bethany o fez me esquecer? - Retrocedo completamente quanto à barreira anti-Dani que estava tentando construir.
-Quem é Bethany? - Ele franze a testa. - Ah, não importa. Enfim. Dani seria realmente muito idiota se te esquecesse tão rápido. - Ele dá de ombros.
Fico vermelha.
-Obrigada - Dou um sorriso fraco.
-Por que fugiu? Foi só por causa do Daniel? - Ele perguntou. - Ah, se você não quiser dizer, tudo bem.
-Não - Digo, rapidamente. - Acho que você merece saber. Ele fez algumas coisas que eu interpretei mal, e essa garota, Bethany, manipulou o acampamento todo para que eles me odiassem e eu e a Ash brigamos... - Minha voz acaba subitamente.
-E foi demais pra você. - Ele conclui.
-Eu não diria com essas palavras, e...
-Lolla - Ele me corta. - Todo mundo chega no limite alguma hora. Tudo bem admitir que você tem um também.
E é aí que me lembro porque gosto tanto de conversar com Johnny.
-...E eu sei que conseguirá passar por essa fase. - Ele comenta.
-E porque acha isso? - Deixo escapar.
-Porque você é Lolla Aryan, oras! - Ele sorri, convicto. - Precisa de mais razões?
-Acho que preciso, sim - Faço uma careta. - Por que acha que Dani não veio me procurar? Será que ele não se importa? - Deixo o aperto no coração tomar conta de mim totalmente.
-Não sei - Ele admite.
-Acha que ele vai vir?
-Você quer que ele venha?
-Hm, sei lá - Dou de ombros.
Porque eu realmente não sei.
-Quer voltar para o acampamento? - Ele oferece.
Penso um pouco.
-Não - Decido. - Não agora. Mas se eu estiver enchendo muito o saco, posso voltar e...
-Você nunca enche o saco! - Ele censura. - Bem, quase nunca. Mas por mim você ficava aqui pra sempre!
-Mesmo?
-Mesmo. - Ele decide, seus olhos castanho esverdeados brilhando ao me fitar.
Penso em como uma parte de mim sempre admirou Johnny. Sua paciência, seu alto-astral, a forma como ele diz as coisas sem se importar no efeito que elas vão surtir, sua gentileza, seu cuidado...
Tantas coisas que eu não tenho!
E apenas por um minuto desejo estar apaixonada por aquele garoto. Ah, como minha vida seria mais simples! Ele nunca me decepcionaria, e nunca ficaria com ciúmes. Penso em como é fácil falar com ele, e no quão atencioso ele é.
Mas então penso nos olhos azuis de Daniel, e em como me perco neles. Penso em seu sorriso, tão brilhante que o próprio Sol ficaria com inveja. Penso em como minhas pernas param de funcionar quando estou ao seu lado, e em todos os sorrisos bobos que me pego dando quando penso nele, mesmo que ele esteja longe.
Não acho que algum dia Johnny poderá me fazer sentir assim.
Quando a noite cai, me vejo observando as inúmeras constelações no céu de verão pela janela do quarto.
Mas a pequena parte do telhado à vista está me atrapalhando. Irritada, saio pela janela e vou até o gramado atrás da casa. Fico algum tempo lá observando o céu estrelado.
-São lindas, não? - Alguém diz atrás de mim. Para minha surpresa, não é Johnny. A voz é mais grossa e só lembro de tê-la ouvido uma única vez. - Costumava ter um grande apreço pelas estrelas. Observava-as toda noite. - O pai de Johnny conta, sentando ao meu lado.
-Acho que é a primeira vez que fala comigo desde que cheguei - Comento.
-Ah, eu queria ter o que dizer quando a hora chegasse. - Ele sorri.
-O senhor não está conseguindo dormir?
-Na verdade, não é isso - Ele diz. - Eu ouvi passos de alguém pulando uma janela, e vim ter certeza de não era algum meliante.
Rio, imaginando a cena.
-E você? - Ele olha pra mim. - Não consegue dormir?
-Ah, fazem vários dias - Conto. - Não é mais novidade.
-O que vê? Quando olha para as estrelas?
Penso por um minuto.
-Primeiro penso em meu pai. Se de alguma forma ele pode me ver e se se importa com o que faço. - Mordo o lábio. - Depois penso no acampamento onde passo a maior parte do tempo. Imagino todos os campistas comendo marshmallows em volta da fogueira e contando histórias de terror, sem preocupações. Penso em como eles devem estar proibindo Daniel de começar uma história, porque sabem que a história dele não vai ser... de terror. - Sorrio, de forma boba e nostálgica. - Penso nos filhos de Apollo cantando, e penso em Lucy. Na pequena e linda Lucy. Em como ela está sobrevivendo sem mim, e com quem ela fala. Se foi ao meu chalé ver algo, ou se está fazendo uma planilha de lugares onde devo estar. Ou se está deixando muitos recados em meu Facebook. - Dou de ombros.
-É uma visão interessante - Ele aprova. - De uma forma ou de outra, o céu nos ajuda a refletir sobre as coisas que amamos e nos importamos.
-No que o senhor pensa quando vê as estrelas?
-Penso em meu filho, antes de tudo. No quanto eu e Carmen o amamos e penso no que eu poderia fazer para ajudá-lo. Ele gosta muito de você. Sabe disso, não sabe?
Me sinto mal instantaneamente quando percebo que nem sequer citei Johnny no discurso das estrelas.
-Sim - Respondo. - Eu sei.
Ficamos em silêncio por um minuto.
-Vocês devem ter muito orgulho dele - Sorrio. - De Johnny.
-E por que diz isso?
-Bem, eu teria, se fosse vocês - Dou de ombros.
-Temos, sim - O sr. Wolf diz. - Afinal, ele é um bom garoto. Suas médias têm melhorado, e ele entrou para o time de basquete...
-Não, não por isso - O corto. - Quer dizer, time de basquete é legal e tals - Corrijo, rapidamente. - Mas me refiro ao orgulho que devem ter pelo esforço de Jonathan. Por sua gentileza, humildade... - Fito o pai de Johnny por um momento. - Por seu caráter.
O homem ao meu lado sorri, como se eu tivesse falado algo certo.
-Temos muito orgulho dele - Ele comenta. - E acho que você também tem.
-Ele fez tanto por mim! - Suspiro. - E continua fazendo mais e mais.
-Acho que sempre vai ter alguma dívida com meu filho, não é?
A ideia me irrita. Odeio dívidas. Elas fazem as pessoas terem algum controle sobre mim. E eu não gosto disso.
E sim, eu sou paranoica a esse ponto.
-Ah, mas seu filho não faz isso para acumular dívidas - Balanço a cabeça. - Ele faz por amor. Por bondade.
Tento pensar em alguma vez que vi Johnny fazer algo egoísta ou cruel. Nada me vem na cabeça.
-Ele acha que se não fizer tudo o que pode por você, algo vai dar errado e você vai pra casa. E ele quer que você fique com ele o máximo que der, não importam as circunstâncias. - O sr. Wolf bufa.
-Não importa o que diga - Repreendo. - Eu conheço seu filho melhor do que pensa. Eu sei que a cor favorita dele é vermelho desde sempre, e que quando tinha 9 anos amava o Relâmpago Mcqueen por causa disso. Ele odeia a palavra 'num', então sempre diz e escreve 'em um'. Se pudesse ter qualquer super poder, gostaria de voar, e ele tem uma pulseira desde os 6 anos que diz "Somewhere Over The Rainbow", pelo fato de amar essa música, mas principalmente porque sempre sonhou em ver o fim de um arco-íris. - Suspiro. - E o mais importante: Eu conheço seu filho o suficiente para não acreditar em ninguém que diga que ele faz qualquer coisa apenas pensando em si próprio. E se o senhor não entende o poço de amor ao próximo e compaixão que criou, eu sinto pena de você. - Explodo.
O pai de Johnny está me olhando de forma curiosa, parecendo estar se divertindo.
-Você é exatamente como ele disse! - O senhor decide. - Não me julgue tão severamente, mocinha. Sabe muito bem que as pessoas fazem coisas loucas por amor.
-Então me chame de louca, porque eu não quero viver em um mundo onde não possa errar de uma forma tão inocente e linda quanto são os erros do amor.
-Então por que está aqui?
A pergunta me confunde um pouco.
-Estou aqui porque eu precisava de um tempo para decidir que rumo tomar em minha vida! Não para chorar o leite derramado! Estou aqui pelo seu filho!
-E como o fato de estar aqui o está ajudando?
-Ele não dormiria se não soubesse que estou segura. Johnny precisava ter essa certeza em seu coração.
-Faria isso tudo por alguém? Tiraria a casca de pães? Se ofereceria, Deus tenha misericódia, até para ter horário certo para ir no banheiro?
-Ele não fez esse último - Lembro.
-Ah, mas faria! - O pai de Johnny rebate. - Eu acho que você é uma garota excepcional cujo mundo não foi muito legal por um tempo. E é muito esperta, também. E sei que entende Johnny melhor do que ninguém. Mas consegue entender o quanto ele te ama e por quê?
Fecho os olhos por um momento, mas os abro antes de responder:
-Não - Decido. - Eu não entendo. Como é possível que ele ainda consiga ter todo esse amor depois de quatro anos? É muito tempo, oras. Como ele pode não ter me esquecido?
-Lolla - Ele sorriu. - Está longe de Daniel há quanto? Uma semana, que seja. Mas me diga: Só pelo fato de ele estar longe, sente que o ama menos agora?
Não respondo.
-Johnny lhe falou sobre Dani...?
-Ah, não - Ele me corta. - Johnny não me fala quase nada. Mas gosto de observar as pessoas. E o sorriso que deu quando citou o nome de Daniel na histórias das estrelas... - Ele parou. - Bem, é o mesmo que Johnny dá quando fala de você.
A afirmação me derruba. Por que eu não podia apenas admitir?
-O quarto que estou instalada... Não é um quarto de hóspedes, é?
-Não sei se devia...
-Desembucha - Ordeno, impassível.
-Ha, você é boa nisso! - Ele dá um sorriso. - Uma garota de 12 anos está me dizendo o que fazer e minha cabeça me diz pra obedecer sem hesitar. Como se você fosse uma filha de Afrodite, ou algo assim. - Ele ri.
O encaro por um longo momento. Johnny não teria contado a ele. Definitivamente, não teria. Eles nem se falam direito!
Estou sendo estúpida, sei disso. Qualquer um sabe dos 'encantos de Afrodite'.
-Vai falar ou não?
Ele me olha nos olhos por um instante, como se os estudasse.
-Olhe atrás de sua cama. E se estiver disposta, olhe dentro da fronha do travesseiro dele. Mas tem de fazer isso à noite, pois ele leva o papel consigo durante o dia.
-O que raios...?
-Quer respostas? Então encontre-as. A única coisa que cai do céu é chuva. - Ele me corta. - Mas talvez não goste do que vai encontrar. Vai te fazer sorrir, mas talvez te faça sentir pior.
-E isso é possível? - Franzo o cenho. - Por obséquio, já sinto como se eu sempre decepcionasse Johnny - Mordo o lábio. - Ele é tão cavalheiro, gentil, atencioso, preocupado, e... ele é tão doce! Mas eu não consigo dar valor a isso! Porque eu só penso em mim mesma! Porque... porque eu amo um garoto que teve uma semana para vir me procurar e não apareceu! Não consigo pensar em nada pior!
-Lolla. Pare. Tudo bem. Não é como se os Campos da Punição fossem melhores do que a sua vida. Está tudo bem.
-Não, não está tudo bem! - Corrijo. - Eu tento. Tento me imaginar vivendo meu felizes para sempre com Johnny ao meu lado, descascando meu pão e me acordando com um sorriso no rosto. - Olho pra baixo. - Mas não consigo. Não é assim que funciona.
E de repente entendo.
Não posso amar Johnny, ou qualquer outro garoto, porque meu coração pertence a Dani.
Assim como Johnny nunca conseguiu me superar. Especialmente porque ele não quer. Ele não entende que está iludindo a si mesmo?
-Você tem razão - Decido. - Não faço nenhum favor ao seu filho ficando aqui.
-Nem pense nisso - Ele diz. - Eu adoro você e tudo, mas o que pretende? Dizer a ele mais uma vez que "Olha, você é um cara muito legal e tals. Mas a gente não pode namorar, e eu fiquei todo esse tempo aqui e percebi que não estou lhe ajudando em nada." - Ele para. - Isso é um discurso razoável. Mas o que ele vai entender é, basicamente: "Olha, Johnny, todos os seus esforços foram em vão e sempre vão ser, então eu vou dar o fora daqui antes que a coisa complique". E esse segundo discurso... - Ele faz uma careta. - Não é tão legal. Não negue. Você sabe que é verdade.
-E o que devo fazer, então?
-Eu acho que nós dois devíamos jogar xadrez. - Ele decide.
Oi?
-O quê? - Digo. - Devem ser duas da manhã. Não estou muito no clima de "jogar xadrez".
-Vamos. Prometo que não vai se arrepender.
E acabo indo. Sentamos na varanda, com a luz fraca de um lampião, e distribuímos as peças.
Começamos a jogar. No meio do jogo, o pai de Johnny diz:
-Sabia que Johnny nunca come as peças dos outros quando joga? - Ele sorri. - Ele acha que isso é jogar sujo, e gosta de ganhar de forma certa.
Dou um sorriso fraco, porque isso me parece exatamente algo que ele faria.
-Quer saber, pense na vida como um jogo de xadrez. - Ele decide. - Você começa com movimentos pequenos, apenas começando, sabendo que eles não vão te levar à glória. E então você pode fazer jogadas arriscadas, que podem ser seu troféu, ou te levar ao fundo do poço. Você sabe que o jogo, assim como a vida, terá um fim. Mas você resolve jogar. E seu objetivo é claro: Você quer terminar o jogo como um vitorioso. Às vezes peças, assim como coisas que você preza, são perdidas. Às vezes por causa de uma jogada sua mal calculada, ou por causa das ações mal intencionadas de alguém. Você pode derrubar os outros, comer peças, para alcançar seu objetivo de forma mais rápida. Ou ficar na sua, apenas jogando do seu jeito. - Ele dá de ombros. - Talvez no fim você olhe para trás e se arrependa de alguma jogada errada que jamais será desfeita. Mas sabe que seus dias estão contados. E quando tudo acaba, sua sina é clara: Ou você alcançou seu objetivo. Ou não.
Uou. Eu definitivamente não estava esperando algo assim.
-Ei, eu gostei disso - Sorrio. - Mas por que está me dizendo essas coisas?
-Porque, se me permite dizer - Ele me fita. - Eu diria que você é o tipo de pessoa que saberia exatamente quais jogadas fazer para alcançar seu objetivo. Mas não acho que você saiba qual é, de fato, seu objetivo.
A ideia me assusta. Desde quando eu não sei o que fazer? Qual é. Sou Lolla Aryan. É meu dom sempre saber o que dizer, fazer e como fazer. E por um momento me lembro do espelho de Ojesed, que meu pai me deu há uns dois anos. Ele sempre foi inútil, pelo fato de sempre mostrar a mesma coisa. Costumava ser apenas uma imagem feliz para tempos tristes.
Desejo mais do que tudo o ter agora. Se eu ver meu reflexo nele, em um tempo tão perdido e sem esperanças, será a imagem a mesma?
”Esse espelho é para que sempre saiba o que fazer, porque como fazer é a parte fácil para você”, posso ouvir a voz de Zeus em minha cabeça.
-Posso ficar sozinha um pouco? - Peço, fitando o senhor Wolf.
Ele apenas assente e volta para a casa.
Ok. Vamos recapitular. Em algum momento, cujo não sei exatamente, me perdi. Me perdi de meus desejos, esperanças e de minha essência, em geral.
E essas são três coisas que quero de volta rápido.
Pego meu Ipod no bolso e vejo meu reflexo, cética. Sejamos racionais, a garota me encarando com o nariz vermelho e a boca rachada se parece comigo, mas de fato não a reconheço.
Decido colocar alguma ordem em minhas ideias.
Não posso ficar na chácara pra sempre, por mais que talvez eu queira. Não posso ficar nesse ritmo depressivo pra sempre. Não posso, mas também não consigo agir de outro jeito.
Decido não pensar mais nisso.
Estou no corredor agora. Paro em frente a uma porta.
E não, não é a do meu quarto.
Forço a porta. Trancada. Dou a volta e pulo a janela do quarto de Johnny.
Entro devagar, esperando para ver se ele acordou com meu barulho. Hesitante, ponho a mão dentro de seu travesseiro.
Sinto algo bem no fundo dele. Estou tentando puxar.
-Lolla? - Ele sussurra.
Por instinto, saio correndo.
Até que percebo que ele virou para o outro lado e não está olhando para mim.
-Por favor - Ele suplica. - Seus olhos... Por que estão pretos? Não me deixe. Eu...
Paro, intrigada.
Ele vira de barriga para cima.
-Eu te amo - Diz, como se as palavras doessem muito.
Ele está sonhando? Ou está fingindo que sim apenas porque queria me dizer isso?
Afinal, por que importa?
Saio de lá, frustrada por não ter pego o papel.
Arrasto minha cama, procurando o que quer que o sr. Wolf me disse que encontraria.
De início não vejo nada. Mas depois percebo um pequeno caderno no canto da parede, como os que Dani costuma ter para desenho.
Pego o caderno, arrasto a cama de volta e deito nela.
Abro o caderno.
A primeira página tem um papel sulfite colado nela com várias citações que reconheço como Shakespeare.
A segunda possui citações também, e essas demoro mais tempo para identificar.
São... minhas.
"Sou a única que já pensou na possibilidade de não ser a pessoa certa para a pessoa que é certa pra mim?", é a maior e bem no topo. Consigo lembrar de mais algumas outras.
"O amor não machuca. As pessoas fazem isso."
"Não existem más influências. Apenas mentes pequenas. Se você tem a cabeça no lugar, pode andar com quem quiser."
Sorrio ao ver a letra dele no caderno pela primeira vez em um pequeno "L.A" e um coração no canto da página.
Ele sempre foi um desastre desenhando corações. De verdade. A coisa mais parecia... Sei lá. Qualquer coisa. Nádegas. Um Ioiô. Mas definitivamente não parecia um coração.
Isso não havia mudado também.
Continuo virando as páginas, encontrando desenhos ocasionais e uma nota ou outra sobre pégasos. Sua letra cursiva grande e espaçosa é bem nostálgica pra mim. Ele não punha pingos nos 'i's e aparentemente ainda não põe.
Fico surpresa por saber tanto sobre ele. Aparentemente, havia me aproximado dele aos 8 anos bem mais do que pensava.
Uma página em especial me faz parar. É um poema.
"Perto Dela

Perto Dela
Nada mais importa
Seus olhos azuis brilham
E iluminam tudo à minha volta.

Ela não sabe o efeito de seu sorriso
Nem o quanto fica linda vermelha
corada
Não, ela não entende nada disso
Não entende o porquê das minhas olhadas.

Seu nariz se torce quando está desconfortável
E seu humor não é lá tão
muito maleável.
Sua testa franze quando está preocupada
E uma careta fofa mostra quando está animada.

Os momentos que passei com ela são memoráveis
Me obrigo a lembrar suas palavras exatas de cada conversa
Pois assim, sua essência, sempre controversa
Permanecerá, assim como Lolla Aryan."


Sorrio diante das rimas pobres e do sentimento verdadeiro. Mudar palavras para que fossem mais fáceis de rimar é tão... Johnny.
Eu tenho certeza de poucas coisas nesse momento, mas uma é certa: Ele escreveu isso.
E esse não é o único poema. Tem mais no caderno. Alguns piores, outros melhores. Mas o assunto geral é sempre o mesmo, claro.
A dissimulada aqui.
Ter achado isso fofo faz de mim uma má pessoa? Afinal, ele passou um tempo de sua vida escrevendo sobre mim quando eu nem lembrava que ele existia. Falava sobre mim o tempo todo enquanto eu não o mencionei nem uma única vez.
Ok. Não quero mais brincar disso.
Fecho o caderno, irritada. Saí do acampamento para me afastar de meus problemas, e apenas criei mais.
Só que desses novos eu não posso fugir pelo fato de o problema estar dentro de mim.
Passei um tempo longe de Johnny e o esqueci. Posso fazer isso de novo.
Mas isso quer dizer fugir. Vou fugir de novo? E aí o quê? Vou fazer isso minha vida toda?
Solto um resmungo amargo e enfio a cara no travesseiro.
Durmo melhor nessa noite do que nas outras, por algum motivo.
-PÔQUER! - O pai de Johnny berra na hora do jantar do dia seguinte, já jogando as cartas na mesa. - Quem topa?
O resto da família concorda rapidamente. Permaneço calada.
-Lolla? - A sra. Wolf (ou Carmen, como o sr. Wolf a chamou) me fita por um momento.
-Eu! Hm, ah. - Ajusto a postura, de repente acordando. - Eu... não sei jogar pôquer.
-Eu ajudo! - Johnny se prontifica meio milésimo depois.
-Nem pensar - O sr. Wolf interfere. - Desculpe, garoto, mas você é horrível. Vai afundar o jogo dela! - Ele balança a cabeça. - Não, não. Eu vou ajudá-la.
A ideia me parece boa, portanto não a contradigo.
Não posso dizer que desenvolvi algum apreço pelo pôquer. O jogo não me agradou, na verdade. Mas mesmo assim me esforço para aprendê-lo. O pai de Johnny se revela um ótimo professor e jogador.
Não que faça diferença. Não pretendo começar a jogar no Pokerstars.net, nem nada assim.
O dia seguinte começa tranquilo. Toco um pouco de violão e leio um livro.
Vejo Johnny observando o pôr do sol e decido me aproximar.
-Quando era pequena - Começo. - Vi o Sol se pôr de uma forma tão linda uma vez que jurei nunca mais perder nenhum pôr do sol.
Ele se vira, percebendo minha presença.
-E você cumpriu?
-"A vida tende a não me deixar cumprir meus planos" - Digo, imitando-o.
Percebo um sorriso no canto de sua boca.
-Vai se juntar a mim?
Faço uma careta e sento ao seu lado.
-The sun goes down - Começa. - The stars come out.
-And all that counts is here and now - Acompanho.
-My universe will never be the same. I'm glad you came.
-So glad you came.
-Passei o dia todo com essa música na cabeça. - Ele conta. - Não faço ideia do por quê.
-Adoro The Wanted - Comento, tentando mudar de assunto por ter um pressentimento ruim sobre o outro.
Não gosto de pensar em coincidências. Nem destino. Nem 'o significado obscuro das coisas'. Nem nada assim. Me irrita profundamente.
-Sabe o que é ainda melhor do que ver o pôr do sol? - Pergunto, animada.
-Eu sei! Ver o pôr do sol com você. - Ele sorri.
Fico vermelha.
-Não, melhor do que isso - Balanço a cabeça e pego um pacote de balas no bolso. - Fini de ursinhos! Sua preferida.
-De quando eu tinha nove anos - Ele corrige.
-É, machão? - Levanto uma sobrancelha. - Que seja. Mais pra mim, então. - Dou de ombros, já mastigando um ursinho vermelho.
-Ei, eu não disse que não quero bala! - Ele se pronuncia.
Sorrio.
-Pega - Estico o pacote. - As azuis são minhas.
-Pode ficar. Elas são ruins.
-Você é quem não sabe apreciá-las - Provoco. - E você pode até achar essas balinhas a coisa mais gay do mundo - Digo. - Mas pensa assim: Esse ursinho - Pego um ursinho azul do pacote. - Pode ter aparecido no clipe California Gurls. Enquanto o mais perto da Katy Perry que você chegou foi algum pôster aí.
-Isso é maldade - Ele faz um biquinho.
-Totalmente - Concordo com a cabeça, indiferente.
-Apesar do que meu pai diz, eu não sou ruim em pôquer! - Ele bufa. - Afinal, o que ele sabe?
-Devia dar uma chance ao seu pai - Digo. - E devia agradecer por ter um pai presente. O meu eu vi no máximo uma ou duas vezes, porque ele está muito ocupado cuidando de um conselho divino. Meu pai é eterno. O seu não.
-E se jogarem o seu no Tártaro?
-Tá aí algo que eu gostaria de ver - Dou um sorriso malvado.
-Você acredita em amuletos da sorte? - Ele pergunta, do nada.
-Hmmm... Um pouco.
-O que você diria se eu dissesse que tenho algo que me protege e que atende ao que eu peço?
-Eu diria: "Tem alguma coisa a ver com o papel no seu bolso?"
Ele me encara por um momento e parece ter um pequeno conflito interno.
Por fim, decide não questionar.
-Talvez - Diz, tirando um papel do bolso.
É a foto minha, de Ashley, de Dani e do resto do chalé 7 no acampamento. Na verdade, devia ser. Porque ele havia a recortado de modo que só aparecesse eu e uma ponta do cabelo da Ash.
Fito-o, confusa.
-Onde conseguiu isso?
-Não faço ideia de como apareceu - Ele começa. - Mas a achei dentro da minha gaveta de meias há uns 2 anos.
-Isso não é possível - Digo. - Tiramos essa foto no aniversário da Ash desse ano. Foi... em Janeiro.
-Eu também achei que você estava muito velha - Ele ri. - E a encontrei assim. Recortada. Depois disso, comecei a andar com ela. E então, no dia seguinte, eu pedi que meu pai parasse de beber. E ele conseguiu. Por um tempo. E pedi que minha mãe superasse a bulimia. E ela conseguiu. Por um tempo. E um dia antes de você aparecer em São Francisco, pedi para que você falasse comigo pessoalmente de novo. E você falou. Por menos de um dia.
-Isso... É coincidência, Johnny. - Balanço a cabeça. - Por que alguém lhe daria uma foto do futuro com poderes?
Mas ele está me ignorando completamente.
-...E eu pedi para lembrar qual música eu tinha tocado no dia que comecei a te ensinar a tocar violão, porque eu não lembrava.
-E eu cheguei aqui e toquei Blackbird. - Suspiro. - Está inventando isso.
-Você saberia se eu estivesse - Ele dá de ombros.
-E o que pediu ontem?
-Como sabe que pedi algo?
-Não pediu?
Ele bufa.
-Eu... pedi para que tivesse coragem para te mostrar a foto.
Sei pelo tom de voz dele que a última parte é mentira. Por que ele omitiria a razão real?
Finjo acreditar.
-Ah.
-E... Eu achei uma música que me lembrou muito você quando eu parei pra ouvir a letra. E pelo o que você está passando. - Ele levanta e vai correndo pegar o violão. Quando volta, começa a tocar uma melodia vagamente familiar pra mim: - Life's too short to even care at all, whoa. I'm losing my mind, losing my mind, losing control! The people on the street, they're staring at me, whoa. - Ele me encara na hora do refrão como se me induzisse a continuar.
-If I could find a way to see this straight I'd run away to some fortune that... - Paro, lembrando que não sei o resto da música.
-I-I should have found by now - Ele continua para mim. - I'm waiting for this cough syrup to come down, come down... - Ele suspira. - The zombies in the park, they are looking for my heart, whoa - Rio com essa última frase. Me lembra Bethany e os outros campistas. - One more spoon of cough syrup now, whoa. One more spoon of cough syrup now, whoa, whooa. - Ele finaliza.
-Eu adorei isso - Digo, sincera. - É como eu me sinto. E também me sinto mal por ter fugido. Me sinto uma covarde. - Confesso.
-Você não é uma covarde - Ele diz.
-Só diz isso pra puxar o meu saco!
-Não é verdade - Ele se defende. - Foi como eu disse: Te puseram em seu limite.
-Mas eu não devia ter fugido quando ficou difícil!
Ele suspira e me dá o violão.
-Toque algo.
Pego o instrumento e penso por um momento.
-If anyone asks, I'll tell them we both just moved on. When people all stare, I'll pretend that I don't hear them talk. Whenever I see you, I'll swallow my pride and bite my tongue. Pretend I'm ok with it all, act like there's noooothing wrong! - Berro. - Is it over yet? Can I open my eyes? Is this as hard as it gets?, is this what it feels like to really cryyyyyy? Cry... - Paro, mordendo o lábio. - If anyone asks, I'll tell them we both just grew apart. And what would I care if they believe me or not? Whenever I feel your memory is breaking my heart, I'll pretend I'm ok with it all... Act like there's nothing wrong. Is it over yet? Can I open my eyes? Is this as hard as it gets? Is this what it feels like to really cry...? - Paro de novo. - É, acho que é isso que se sente. - Suspiro e cubro os olhos com as mãos.
-Você está bem? - Ele parece preocupado.
-Não - Resmungo. - Nem um pouco.
-Vem aqui. - Ele abre os braços.
Hesito, mas o abraço. A sensação é consoladora. Mesmo no frio e sem casaco, Johnny parece bem quente.
-Está com febre? - Pergunto, pondo a mão em sua testa.
-Estou bem - Ele revira os olhos, tirando minha mão.
Acabo cedendo.
Olho pra cima para falar com ele, como sempre tenho de fazer.
-Por que não quer me contar o que pediu ontem? - Encaro-o.
-Porque é um pedido estúpido - Ele dá de ombros. - Acredite, você não quer saber. - Ele me fita por um momento. - Você fica tão fofa com o nariz vermelho.
Tento não ficar vermelha, mas acho que já estou, de qualquer maneira.
-Você não. Fica parecendo o Ronald Mcdonald. - Provoco, rindo.
-Pelo menos eu tenho grana - Ele mostra a língua.
-Eu sou podre de rica, lembra? - Faço um bico de pato. - E não fico cantando "Mão na mão, pé com pé, vou te mostrar como é que é...".
-Viu? Eu tenho até um CD só meu.
Paramos a discussão, pelo fato de ela já estar ficando retardada demais.
Por alguns minutos ficamos apenas observando as estrelas.
-Olha! - Digo, de repente. - Uma estrela cadente!
-Feche os olhos e faça um pedido - Ele sorri.
Faço isso.
-O que você pediu? - Pergunto, após abrir os olhos.
-Eu não acho que possa contar.
-Conta!
-Tá. - Ele revira os olhos. - Eu pedi para que você nunca me esquecesse.
-Está brincando? Eu nunca vou te esquecer! - Exclamo, surpresa.
Ele sorri, feliz.
-A luz da Lua dá um brilho mais bonito aos seus olhos - Diz ele.
-E quanto àquela coisa de "sem elogios", sr. Jonathan? - Encaro-o.
-Desculpe - Ele fica vermelho. - Eles saem da minha boca sem querer. Desculpe.
Sendo Johnny, é até plausível. Ele tem uma grande facilidade para falar coisas boas sobre as pessoas.
-Esses dias eu estava pensando no motivo de ter saído do HBC - Conto. - E percebi que eles tiraram minha autoconfiança. E isso me destruiu. Talvez um ego grande seja tudo o que eu tenho, mesmo. - Suspiro, irritada comigo mesmo por ter de ficar mandando controles para os meus olhos não lacrimejarem. - Um ego grande, uma família problemática e a capacidade de explodir as coisas. - Fito Johnny. Ele parece estar se divertindo. - Não é engraçado!
Ele sorri.
-Você vê isso. Eu vejo a pessoa mais incrível que já conheci. - Ele põe uma mecha de meu cabelo atrás da orelha.
-Johnny, o que você...
Paro de perguntar quando ele me beija.
Lolla Aryan
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